Carta de uma emigrante ao Santo António

Querido Santo António,

Vim à nossa Lisboa mais uma vez. (Vim, fui, estou, sou, sinto; nunca sei que verbo usar). Gosto de falar contigo sempre que me vejo a sobrevoar a nossa costa e as nossas sete colinas, inchada de orgulho para os branquinhos que ao meu lado no avião sussurram beautiful’s e wunderschön’s como quem lhes quer dizer: é minha!

Acompanhas-me nestas lides de emigrante europeia (ai o que seria de mim se transatlântica) há meia dúzia de anos. Já me viste tanto histérica como deprimida de por cá andar sobre a calçada que já não me é rotina. Essa calçada que piso sem pressas, que todos os restantes passos são vagarosos e põem a Maria Londres em memórias distantes. Até as escadas rolantes são mais lentas e ninguém nelas corre pela esquerda. Aliás: ninguém corre.

Cá (ou lá) as minhas pernas entram em repouso, que não caminho nem um décimo das milhas londrinas, e passo o tempo sentada – a comer ou no carro ou nos tais passos vagarosos. Vagarosos também os convívios, e que bem que sabe vir ter contigo no mês em que tudo se enche de sorrisos e tragos e passos de dança leves. Continuar a ler

Geração à Rasca – A nossa culpa

por Mia Couto.

Um dia, isto tinha de acontecer.

Existe uma geração à rasca?

Existe mais do que uma! Certamente!

Está à rasca a geração dos pais que educaram os seus meninos numa abastança caprichosa, protegendo-os de dificuldades e escondendo-lhes as agruras da vida.

Está à rasca a geração dos filhos que nunca foram ensinados a lidar com frustrações.

A ironia de tudo isto é que os jovens que agora se dizem (e também estão) à rasca são os que mais tiveram tudo.

Nunca nenhuma geração foi, como esta, tão privilegiada na sua infância e na sua adolescência. E nunca a sociedade exigiu tão pouco aos seus jovens como lhes tem sido exigido nos últimos anos. Continuar a ler

O Jornalismo em dia de Japão à rasca

Mais de 70 pessoas juntaram-se em frente à embaixada portuguesa em Londres pelo movimento "Geração à Rasca"

Se há dias em que sinto o jornalismo a fervilhar-me nas veias, hoje foi um deles. Começou ontem, de mansinho. Primeiro, revoltei-me por ver que dois eventos tão importantes e tão diferentes – Japão e Geração à Rasca – decidiram acontecer exactamente nas mesmas 24 horas. Depois percebi que, enquanto jornalista, podia muito bem vivê-los em conjunto.

Escrevo este blog há sete anos. Nos últimos quatro escrevi muito sobre a minha vida pessoal e profissional na Alemanha, na Bélgica e agora no Reino Unido. Muitas vezes escrevi sobre a Saudade que sinto de Portugal. Hoje foi um dia em que, de certa forma, essa saudade se revoltou. Continuar a ler