Embora – Sete anos entre o Norte e o Sul

Do silêncio do ano que passou.

embora

Agora disponível nos seguintes espaços:

  • Bertrand
  • Wook
  • Fnac
  • Chiado Editora
  • Livraria Desassossego (Rua de São Bento, nº34, 1200-815 Lisboa)
  • Livraria Nova Iorque (Rua Entrecampos 66-C, 1700-159 Lisboa)
  • Livraria AZ do Livro (Calçada do Duque 11, 1200-155 Lisboa)
  • Livraria Ler, Lda. (Rua Almeida e Sousa, 24, 1350-011 Lisboa)

Sinopse

Foi hesitante que respondeu ao apelo da vida para deixar a sua zona de conforto e conhecer novos lugares, falar outras línguas e fazer amigos de culturas que só conhecia de histórias que não eram suas.

Com então 21 anos, Débora Miranda inscreveu-se para estudar na antiga Alemanha de Leste durante cinco meses. Acabou por ficar um ano. Dali seguiu para a Alemanha ocidental, a Bélgica, a Suíça e o Reino Unido, com passagens pela Turquia, Argentina e Estados Unidos.

Este livro baseia-se nas histórias que Débora partilhou com família e amigos no seu blogue ao longo de mais de sete anos. Num olhar em permanente divisão entre o Norte e o Sul, acompanhamos um percurso de crescimento interior que aprende novas formas de encarar a vida em movimento.

Nesta viagem, ir é reconhecer o valor da luz de Lisboa enquanto se trata o local de destino como casa. Porque ir é também saber regressar.

Um livro para os que vão e vêm – e para os que vão pensando como seria se também fossem.

Obrigada pela paciência!

Diletante há uns bons anos

dez anos

Lembras-te, blogosfera? Conhecemo-nos no dia em que começou a Primavera em 2004. Faz hoje dez anos.

Não podia imaginar que aquele primeiro post na blogspot se desenvolveria por uma década.

primeiro post da diletante

“Porquê diletante?”, muitos me perguntam. Aprendi a palavra na adolescência, ao ler Os Maias. Achei que o Carlos da Maia combinava comigo. Querer fazer, dizer que ia fazer, acabar por não concretizar nada.

Escrevi-te palavras muito pessoais. Ainda as escrevo, mas mais protegidas – dizem que crescer nos torna assim. Mas continuo a defender a transparência. Escrevo o que vejo, penso, vivo.

Fui descrevendo os outros a apanhar aviões, suspirando por não ter coragem. “Um dia”.

Quando esse dia chegou, a blogosfera tornou-se no meu diário cá longe. Esta era a única rede social que havia para eu manter os de Casa a par do que por cá vivia. Deixei-me levar pelas palavras de motivação. “Escreves aquilo em que eu penso mas que não digo. Transportas-nos para aí.” Partilhar fazia-me esquecer o pavor de estar longe.

Dez anos depois não deixei de ser diletante. Os braços caídos, a espera pelo amanhã, as ideias no papel. Mas fui lutando contra isso. E as conquistas não teriam tido o mesmo sabor se não as tivesse partilhado com esse lado do ecrã ao longo dos anos.

Hoje é dia de agradecer ao Pedro, que insistiu para que eu dissesse em público o que para aqui vai.

Maria londrina nova-iorquina

Vi Nova Iorque com as suas imponentes torres gémeas, que me apeteceu abraçar de anorak em puberdade. Senti-as amigas mais velhas a dizer-me que fazia bem em querer escrever para a vida (ou qualquer coisa assim).

Vi Nova Iorque sem torres, um Ground Zero de chão levantado e com ranhuras, qual terramoto provocado por uma dúzia de homens loucos. Elevavam-se as bandeiras orgulhosas do costume.

À terceira, vi Nova Iorque meia recuperada. Uma torre que dizem ser mais alta – ou com uma antena a fazer batota – protege agora o memorial das torres de outrora, uma água ensurdecedora a cair sobre a pedra escura e imponente onde se lêem embutidos os nomes das quase três mil pessoas que ali se evaporaram. A torre é mais magra, e é só uma.
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Dezasseis anos depois Nova Iorque está igual na sua essência, mas é-me hoje tão diferente. Mais próxima, mais familiar, mais alcançável. Entre visitas turísticas bebo um chá de menta fresca com uma amiga da faculdade que não via há uns oito anos. Conversam-se histórias além-fronteiras, partilham-se suspiros do que fazer da vida e das sensações ambíguas nas idas a Casa.

Se viver aqui sempre foi o meu sonho, hoje posso dar-me ao luxo de encontrar defeitos e impôr condições. Acima de tudo, sorrio ao surpreender-me com a revelação que me entra nos olhos: Nova Iorque à minha frente tem tanto da minha Maria Londres.

O World Trade Center são os arredores do Gherkin, e a nova Freedom Tower cheira tão a nova como o Shard. Gente de negócios escapa à hora de almoço para se sentar nuns degraus de escada a comer qualquer coisa: em Nova Iorque, uma embalagem de plástico com um petisco mexicano, talheres de plástico e cinquenta guardanapos, transportados num saco de papel e noutro de plástico. Em Londres, umas horas antes, viam-se umas Mediterranean sandwich cujos restos se limpam a chupar os dedos.

Os quiosques de hot dog a cada esquina são os pubs com nomes alusivos à monarquia e anatomia (Queen’s Head, King’s Arms e afins), o Central Park é o Hyde Park, a Estátua da Liberdade é a Rainha Isabel, quem corre junto ao Hudson também se passeia em Canary Wharf pelo Tamisa fora. Times Square tem mais luz que Picadilly Circus, mas também se deixa engolir entre teatros e musicais, cheios dos mesmos turistas espanhóis e italianos e brasileiros que achávamos que não tinham dinheiro.

Cidades e países de gentes gordas, mas Manhattan estica-se para cima e Londres estica-se para os lados, cidades estruturadas entre o mesmo norte dos bonitos, o faroeste dos conservadores, o sul dos latinos e o leste dos paquistaneses e indianos e outros orientais; os ricos de Manhattan dão ideia de ali ficar, que apesar da correria quer-se conforto no vigésimo andar ou above,enquanto os londrinos encontram sossego nos arredores e se deixam levar de comboio até ao escritório, duas horas por dia, dez por semana, 40 por mês, 520 por ano. Essa tal de commute solitária, acompanhada pelos mesmos jornais gratuitos em extinção, substituídos por tablets e iSemelhantes, gente que se olha pela testa porque os olhos fixam-se no colo, os dedos comandam ecrãs e fios brancos.

Os milhares de táxis amarelos à superfície de Nova Iorque são as milhares de pernas que se empurram no arco íris do Tube londrino – Central, Picadilly, Hammersmith, Northern, District e mind the gap‘s. O subway nova iorquino é mais sujo e mais pobre, o londrino mais natural e europeu.

Greenwich village encanta pelo ambiente jovem e a vida nocturna, mas travo a inveja para me lembrar que tenho tudo isso em Shoreditch e em Islington, com mais amigos e cantos conhecidos. Perder por perder, perco-me em todo o lado.

Tanto Nova Iorque como Londres conhecem bem o frio, embora o sol não brilhe em Londres nem metade dos dias que brilha em Nova Iorque. Mas é-se feliz em ambas as metrópoles. Basta conseguir ultrapassar os primeiros meses, o tal pesadelo de quem tem de se instalar, transporte, papéis, procurar casa, procurar casa, procurar casa. Muito tempo depois somos enfim (ou não) cidadãos cansados e prontos a encarar esses monstros de frente, rápidos e frenéticos.

Pela primeira vez, acho que se não vier a morar em Nova Iorque não faz mal. Tenho a Maria Londres, a menos de três horas de Casa.
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Sexta-feira

Quem vem a Londres só por uns dias não se apercebe do que a sexta-feira tem de londrino. Os chefes – que os turistas não têm – apressam-se a despachar trabalho, olham impacientes para o relógio, fazem telefonemas no escritório de já-vou, trocam ideias sobre a escolha do pub para esta semana; se for uma ocasião especial, já estará marcado há uns meses.

À sexta-feira à tarde, a população activa de Londres atira-se para bares tradicionalmente britânicos, de madeira escura, de tapetes verde-escuros, de luzes aconchegantes. Mesas partilham-se com desconhecidos, homens cambaleantes de fato entornam cerveja, as inglesas de cabelo loiro-esparguete e vestidos curtos às flores pisam-nos sem querer e sorriem para trás de olhos revirados um hiper bem-educado sorray. O cliente do pub é uma pessoa feliz.

Quem por cá está de passagem e pára num pub à sexta-feira não se apercebe que a maioria dos grupos que ali convivem são de equipas de trabalho. Colegas que das nove às cinco se e-mailam profissionalmente, e das cinco à meia-noite partilham piadas e rotinas de uma vida pessoal. Que em Londres não nos podemos dar ao luxo de desperdiçar uma família emprestada.

Quando não vamos ao pub com os colegas, vamos com os amigos. Fala-se de viagens, de onde vives agora, como está a correr o trabalho, e prometemos todos ver-nos mais vezes. Continuar a ler

Conformismo conquistado

CasaPela primeira vez em sete anos, completei um ano inteiro a viver na mesma casa. Por esta altura no ano passado, a Catarina ajudava-me a transportar sacos (muitos sacos) de casa para táxi para casa para quarto via escadas longas.

2012 foi um ano difícil no que diz respeito a alojamento. Foram cinco rondas de entrevistas, cinco quartos, cinco lares, cinco rotinas, habitua, desabitua. Não que não estivesse habituada, que já lá vão 18 casas desde Leipzig; mas no ano passado não houve tempo para apegos. Hoje, estou instalada numa casa vitoriana na zona este de Londres. Tenho-a sentido minha casa. Partilho-a com mais quatro pessoas, todas entre os vintes tardios e os trintas iniciais (eis a pobre tentativa de traduzir late twenties and early thirties). Uma gestora de projectos digitais na indústria publicitária, metade suíça e metade inglesa, que foi modelo durante 15 anos e cuja melhor amiga, cabeleireira, de vez em quando aparece cá em casa e corta-lhe o cabelo de boneca como nos velhos tempos. Um economista inglês de raízes indonésias que cozinha caril dia sim dia não – ou cozinhava, que agora infelizmente trabalha em Paris de segunda a sexta e não há restos para mim. Um outro jovem inglês de sorriso muito simpático, que pouco vemos porque o pouco tempo que está em casa passa-o no quarto, em processo criativo a pintar quadros que depois vende no mercado de Spitalfields. E finalmente a Nadine, uma alemã que fugiu da Alemanha por estar farta de alemães, mas que é alemã o suficiente para meter na cabeça uma coisa e cumpri-la à velocidade da luz. Quero comprar uma casa, vou comprar uma casa, fui ver umas casas, comprei uma casa, vou sair cá de casa.

A Nadine saiu de nossa casa ontem e logo depois entrou uma inglesa, professora de escola primária. Escolhemo-la entre as cerca de vinte pessoas que cá vieram visitar o quarto (incluindo um bombeiro que por aqui passou entre turnos, deixando toda a brigada à espera num camião de bombeiros estacionado à porta de nossa casa). Foi a primeira vez que tive o privilégio de estar do outro lado, a escolher. Para já, a Jessica é uma querida; e já esteve a cozinhar uns petiscos bem cheirosos nas suas primeiras 24 horas. Mas a Nadine, que era parte da nossa casa, saiu. Começou outra fase. E com ela sinto eu que entrei numa nova fase também. Continuar a ler

Dias longos de verão feliz

O verão começou, ainda que tímido; não percebo com que legitimidade lhe tiraram a letra maiúscula. O meu verão – de, por enquanto, menos de 48 horas – tem sido bastante feliz. Duas semanas de trabalho novo, ideias, desafios, aprendizagens, vontades e tudo o que descreverei depois. (Sabem, eu gosto de deixar algumas coisas para “depois”.)

Surge o fim-de-semana para explorar terraços de verão quando as nuvens dão tréguas, meio na dúvida. Vou parar à casa da minha nova chefe, lá no faroeste da Maria Londres, em consequência de convite após – repito – duas semanas de trabalho. Uma chefe de sorriso contagiante, sangue indiano, educação britânico-norte-americana, marido de San Diego que conheceu durante uma vida nómada entre as Filipinas e Manhattan. Eis que estamos à-mesa-à-americana, prato vegetariano ao colo, acompanhados de um economista de saúde dinamarquês e um geek de startups com três-quase-quatro-passaportes (sendo que o original é jamaicano e eu perdi a sequência das restantes histórias). Continuar a ler

Trabalho na sociedade de Alzheimer. “Onde é que trabalhas mesmo?”

Foi esta a reacção anedótica que tive ao longo dos últimos 20 meses, sempre que falava sobre o meu trabalho. E antes que me deixe afundar na informação do novo desafio, fica o pequeno relato da minha contribuição para o mundo nesta área.

Quando acabei o mestrado em jornalismo científico, estagiei na OMS em Genebra e regressei a Londres em Setembro de 2011 para procurar trabalho. Como colaborei com a Cancer Research UK no meu projecto final de mestrado, decidi desviar-me do jornalismo puro e conhecer o charity sector, cuja tradução para português nunca me convenceu: é uma mistura de organização não governamental com instituição de solidariedade – no formato de uma empresa. Continuar a ler

Carta de uma emigrante ao Santo António

Querido Santo António,

Vim à nossa Lisboa mais uma vez. (Vim, fui, estou, sou, sinto; nunca sei que verbo usar). Gosto de falar contigo sempre que me vejo a sobrevoar a nossa costa e as nossas sete colinas, inchada de orgulho para os branquinhos que ao meu lado no avião sussurram beautiful’s e wunderschön’s como quem lhes quer dizer: é minha!

Acompanhas-me nestas lides de emigrante europeia (ai o que seria de mim se transatlântica) há meia dúzia de anos. Já me viste tanto histérica como deprimida de por cá andar sobre a calçada que já não me é rotina. Essa calçada que piso sem pressas, que todos os restantes passos são vagarosos e põem a Maria Londres em memórias distantes. Até as escadas rolantes são mais lentas e ninguém nelas corre pela esquerda. Aliás: ninguém corre.

Cá (ou lá) as minhas pernas entram em repouso, que não caminho nem um décimo das milhas londrinas, e passo o tempo sentada – a comer ou no carro ou nos tais passos vagarosos. Vagarosos também os convívios, e que bem que sabe vir ter contigo no mês em que tudo se enche de sorrisos e tragos e passos de dança leves. Continuar a ler

Deixemo-nos de merdinhas

Ainda estou em réstias da explosão de emoções daquele dia. Orgulho, admiração, negação, gratidão, culpa, compaixão, determinação.

Acordei já mentalizada para a nova rotina de vários dias: aquecer panelas de água para tomar banho – que casas vitorianas têm tanto de bonito e trendy como de problemático. Depois enfiei-me no metro a hora de ponta chuvosa, com a mochila monstruosa da minha irmã hippie para dar a uma amiga – que em Londres é comum distribuir-se baggage allowance pelos viajantes-e-seus-amigos e assim poupar uns trocos.

Com as costas feitas num oito disse o habitual “morning!” aos meus colegas, fui pôr a massa no frigorífico, sentei-me à secretária e comecei o meu último dia de trabalho na Alzheimer’s Society. Vinte meses sobre os quais escrevo depois. Continuar a ler

Maria Londres. Da decisão de ficar

Escrevi muitíssimo sobre Leipzig, bastante sobre Bonn, um bom bocado sobre Bruxelas, pouco sobre Genebra e quase nada sobre Londres – pelo menos na proporção do tempo que cá passei, que já quase iguala o alemão.

Esta é a quinta cidade e o quarto país onde vivo desde que deixei a minha Maria Lisboa, e várias razões explicam a ausência de palavras (d)escritas sobre a minha vida aqui.

Primeiro – e como minha desculpa recorrente – porque em Londres não há tempo. Até os meus amigos mais energéticos dizem que saem daqui cansados. Há que aprender a comprar bilhetes de metro rapidamente, a encostar à direita nas escadas rolantes para que outros corram à esquerda, e a olhar cuidadosamente para trás se quisermos ultrapassar; vem mesmo gente disparada lá de cima. Há que aprender a atirar as compras do supermercado para o saco antes que o next-customer-please nos pise os sapatos (rasos, que em Londres os saltos altos vão num saco de plástico na mala). Andamos todos a correr porque aqui não sobra tempo para tudo, ou muito, ou nada. Escrever é vítima. Continuar a ler